O que são os vírus de origem alimentar e como podem ser evitados?
Gastroenterite e hepatite são as síndromes mais comumente relatadas de vírus transmitidos por alimentos. A contaminação de alimentos com vírus patogênicos é causada por práticas de higiene inadequadas na linha de produção ou contato do alimento com dejetos animais ou esgoto
Por conta da Covid-19, readequamos nossa higiene e passamos a nos preocupar mais com tudo aquilo que entra em nossa casa, desde pessoas que nos visitam até uma simples compra de mês para abastecer a despensa. E, com relação aos alimentos, esses cuidados já deviam fazer parte da nossa rotina há anos, porque existem vírus cuja origem provém de alimentos e bebidas. “Eles são tipicamente e altamente resistentes a fatores ambientais, como baixo pH (acidez) e calor. Isso os torna persistentes, de modo que podem permanecer infectantes por mais de um mês em alimentos e água. Como se originam nos intestinos de humanos e animais, esses vírus se espalham predominantemente por fezes e outros fluidos corporais. A contaminação de alimentos com vírus patogênicos é frequentemente causada por práticas de higiene inadequadas na linha de produção ou no contato do alimento com dejetos animais ou esgoto”, explica a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, professora e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). “Gastroenterite e hepatite são as síndromes mais comumente relatadas de vírus transmitidos por alimentos”, completa a médica.
Os alimentos mais comumente associados a vírus de origem alimentar incluem mariscos, que são colhidos perto de esgotos humanos, carnes malcozidas, bem como frutas e vegetais, orgânicos, que são cultivados em solos fertilizados com resíduos de animais. “Mesmo se os sistemas de esgoto forem tratados, a remoção do vírus e a eficiência da remoção dependem de quanta carga viral está presente”, diz a médica.
Embora muitos tipos diferentes de vírus gastrointestinais possam ser encontrados em humanos, a gastroenterite causada pelo Norovírus humano e o vírus da hepatite A (HAV) são relatados predominantemente com vírus transmitidos por alimentos. Outros vírus, incluindo enterovírus, sapovírus, rotavírus, astrovírus, adenovírus e vírus da Hepatite E, também foram associados às transmissões através de alimentos e água.
Norovírus – O norovírus causa gastroenterite, cujos sintomas são diarreia, vômito, febre, dores de cabeça e dor abdominal. “As causas bacterianas de gastroenterite incluem Campylobacter, que está associada a alimentos crus ou malcozidos, Salmonella, que geralmente é encontrada em carnes ou ovos, e Listeria, que pode estar presente em alimentos prontos. Eles causam sintomas como diarreia, vômito e febre, mas também podem levar a doenças potencialmente fatais e morte”, diz a médica. Em todo o mundo, o norovírus é a causa mais comum de gastroenterite aguda. Cerca de 1 em cada 5 casos em países desenvolvidos são causados por norovírus.
Hepatite A – Outro vírus comum de origem alimentar é a hepatite A, que causa inflamação do fígado. Os sintomas incluem febre, dor de cabeça, náuseas e vômitos, diarreia, dor abdominal e icterícia (coloração amarelada da pele e/ou dos olhos). “O vírus é responsável por 50% dos casos de hepatite e geralmente é autolimitado, o que significa que o patógeno desaparece ou seu hospedeiro morre. No entanto, o vírus da hepatite A raramente pode causar insuficiência hepática (exigindo um transplante de fígado) ou morte”, explica.
Carga global de doenças causadas por vírus transmitidos por alimentos
As doenças transmitidas por alimentos são os principais contribuintes para a carga global de doenças. Os surtos e as doenças associadas não afetam apenas a saúde dos pacientes, mas também aumentam os custos do tratamento e das medidas para prevenir novos surtos. O potencial desses vírus para se espalharem através das fronteiras é imenso devido às condições de viagem irrestritas em muitas partes do mundo. “Portanto, as avaliações de risco em segurança alimentar são as principais prioridades para reduzir o risco de vírus transmitidos por alimentos. Embora esses vírus sejam motivo de preocupação para a indústria de alimentos, alguns países industrializados começaram a monitorar os vírus de origem alimentar apenas recentemente. Devido à falta de métodos de detecção adequados para quantificar a carga viral presente e aos baixos níveis de vírus presentes nos alimentos, o risco de propagação permanece”, explica a médica nutróloga.
Atualmente, o único método usado na detecção de vírus em alimentos é baseado em ácidos nucléicos virais e enfoca os patógenos do vírus da Hepatite A e do norovírus. Porém, para fins de avaliação de risco, torna-se difícil determinar se o vírus detectado leva a uma doença ou não, pois não é possível avaliar se o vírus continua infeccioso ou se torna infeccioso posteriormente. Notícias recentes relatam surtos de Listeria causados por carnes fatiadas e queijos nos EUA e sanduíches em hospitais do Reino Unido que levam à morte de pacientes, mostrando a importância da higiene durante o processo de manipulação dos alimentos.
Os vírus de origem alimentar podem ser evitados?
Para evitar o risco e a propagação de vírus de origem alimentar, a segurança alimentar e a manutenção de uma boa higiene são muito importantes durante o manuseio dos alimentos. “Por exemplo, lavar as mãos e evitar a contaminação cruzada usando diferentes tábuas de cortar para carnes e vegetais pode ajudar a impedir a propagação do vírus. Cozinhar bem em certas temperaturas também pode ajudar a matar os vírus presentes. Alimentos que são consumidos crus ou malcozidos apresentam maior risco de conter vírus de origem alimentar, portanto devem ser higienizados com maior cuidado, particularmente os vegetais orgânicos, que são livres de toxinas, mas podem carregar patógenos”, diz a médica. “Além disso, os fabricantes de alimentos devem realizar avaliações de risco e educar sua equipe sobre os riscos da falta de higiene durante o manuseio dos alimentos. Isso é fundamental para evitar a propagação dessas doenças”, finaliza a médica.
Fonte: Dra. Marcella Garcez. Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR. Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo.