Falta de sono aumenta a gordura abdominal visceral
Publicado no Journal of the American College of Cardiology, estudo mostrou que a falta de sono suficiente combinada com o livre acesso aos alimentos aumenta o consumo de calorias e, consequentemente, o acúmulo de gordura insalubre no abdômen
Dormir bem é fundamental para o corpo se recuperar das atividades diárias, mas esse parece ser um problema cada vez mais comum na sociedade moderna. “Alguns hábitos modernos de vida antes de dormir atrapalham a qualidade do sono e isso também prejudica a alimentação e o acúmulo de gordura. Muitos pacientes que enfrentam mudanças no ciclo circadiano (de sono e vigília) não conseguem seguir um plano alimentar, têm maior carga de estresse e um maior risco a desenvolver impulsos alimentares” explica a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). É exatamente isso que mostra um estudo publicado em 2022 no Journal of The American College of Cardiology: a falta de sono suficiente combinada com o livre acesso aos alimentos aumenta o consumo de calorias e, consequentemente, o acúmulo de gordura, especialmente a gordura não saudável dentro do abdômen. “Sabemos que a gordura visceral é um tipo de gordura que fica localizada na cavidade abdominal, próximo a alguns órgãos vitais, e seu excesso está relacionado com maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como infarto e aterosclerose, além de problemas metabólicos”, acrescenta a médica.
Segundo o estudo, a falta de sono suficiente levou a um aumento de 9% na área total de gordura abdominal e um aumento de 11% de gordura na área visceral abdominal em comparação com o sono de controle. “A orientação da National Sleep Fundation (Fundação Nacional do Sono) dos Estados Unidos e da Organização Mundial da Saúde (OMS) é algo entre 7h e 9h para a população adulta entre 18 e 64 anos. Mas esse sono precisa ser de qualidade”, explica a médica.
A falta de sono suficiente é muitas vezes uma escolha de comportamento, e essa escolha tornou-se cada vez mais difundida. E, durante os últimos anos de pandemia, essa foi uma realidade. Trabalho por turnos, manter o cérebro em alerta por estímulo de dispositivos inteligentes e redes sociais usados durante os horários tradicionais de sono são alguns dos motivos envolvidos nessa dificuldade em ter uma noite de reparo suficiente, segundo a Dra. Marcella. “Além disso, as pessoas tendem a comer mais durante as horas mais longas de vigília sem aumentar a atividade física”, explica a médica.
As descobertas do estudo mostram que o sono encurtado, mesmo em indivíduos jovens, saudáveis e relativamente magros, está associado a um aumento na ingestão de calorias, um aumento muito pequeno no peso e um aumento significativo no acúmulo de gordura dentro da barriga. “E isso é um sinal de alerta perigoso, pois mesmo pacientes magros podem acumular esse tipo de gordura que é prejudicial”, enfatiza a Dra. Marcella. “Normalmente, a gordura é depositada preferencialmente por via subcutânea ou sob a pele. No entanto, o sono inadequado, segundo o estudo, parece redirecionar a gordura para o compartimento visceral mais perigoso. Isso sugere que o sono inadequado é um gatilho não reconhecido para a deposição de gordura visceral, e que o sono de recuperação, pelo menos a curto prazo, não reverte o acúmulo de gordura visceral. A longo prazo, esses achados implicam o sono inadequado como um contribuinte para as epidemias de obesidade, doenças cardiovasculares e metabólicas”, diz a médica.
Detalhes do estudo
Segundo a Dra. Marcella, apesar do resultado ir ao encontro de outros trabalhos, confirmando essa associação, esse estudo em específico tem algumas limitações. O trabalho consistiu em 12 pessoas saudáveis que não eram obesas, cada uma passando por duas sessões de 21 dias no ambiente de internação. Os participantes foram aleatoriamente designados para o grupo controle (sono normal) ou grupo de sono restrito durante uma sessão e o oposto durante a próxima sessão. Cada grupo teve acesso à livre escolha de alimentos durante todo o estudo. Os pesquisadores monitoraram e mediram: a ingestão de energia; o gasto energético; o peso corporal; a composição do corpo; a distribuição de gordura, incluindo gordura visceral ou gordura dentro da barriga; e os biomarcadores de apetite circulantes.
Os primeiros quatro dias foram um período de aclimatação. Durante este tempo, a todos os participantes foram permitidos nove horas na cama para dormir. Nas duas semanas seguintes, o grupo de sono restrito recebeu quatro horas de sono e o grupo controle manteve nove horas. Isto foi seguido por três dias e noites de recuperação com nove horas na cama para ambos os grupos.
Os participantes consumiram mais de 300 calorias extras por dia durante a restrição de sono, consumindo aproximadamente 13% mais proteína e 17% mais gordura, em comparação com a fase de aclimatação. “Esse aumento no consumo foi maior nos primeiros dias de privação de sono e depois diminuiu para os níveis iniciais durante o período de recuperação. O gasto de energia permaneceu praticamente o mesmo por toda parte”, explica a médica. O acúmulo de gordura visceral só foi detectado por tomografia computadorizada e, de outra forma, teria sido perdido, especialmente porque o aumento de peso foi bastante modesto – apenas cerca de meio quilo. “Medidas de peso sozinhas seriam falsamente tranquilizadoras em termos das consequências para a saúde do sono inadequado. Também são preocupantes os efeitos potenciais de períodos repetidos de sono inadequado em termos de aumentos progressivos e cumulativos da gordura visceral ao longo de vários anos”, diz a médica.
A nutróloga diz que intervenções comportamentais, como aumento de exercícios e escolhas alimentares saudáveis, precisam ser consideradas para pessoas que não podem evitar facilmente a interrupção do sono, como trabalhadores em turnos. “Pacientes com dificuldade de dormir ou que tenham quantidade, mas não uma boa qualidade de sono, devem procurar um médico especialista. O médico nutrólogo deverá também ser consultado para fazer um acompanhamento desse paciente com o objetivo de diminuir o percentual de gordura visceral”, finaliza a médica.
Fonte:
Dra. Marcella Garcez
Médica Nutróloga. Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR. Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR.Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento.