Influência genética explica por que jovens saudáveis podem sofrer com casos graves de covid-19
Expressão aumentada de alguns genes pode explicar facilidade com que o vírus se multiplica mais rapidamente em algumas pessoas, potencializando uma situação inflamatória sistêmica, até quando o paciente não tem comorbidades
Embora os grupos de risco para a doença Covid-19 já estejam muito claros, com idosos, diabéticos, obesos, fumantes e hipertensos entre os principais pacientes que têm maior tendência de serem afetados de maneira mais grave pela infecção do vírus Sars-Cov-2, algumas notícias também dão conta de pacientes mais jovens, saudáveis e sem comorbidades que precisaram de ventilação mecânica e leitos de UTI por sofrerem severamente com o vírus.
O que explica, afinal, jovens enfrentando a forma mais grave da doença, com inflamação sistêmica? Sabemos que 81% das pessoas são assintomáticas, de 10% a 15% vão sofrer algo leve, 5% terão um quadro severo e de 1% a 2% das pessoas vão morrer com quadro de Covid-19. Por que é tão heterogêneo? Por algumas condições pré-existentes e também por fatores genéticos. Tudo isso pode favorecer a infecção pelo Sars-Cov-2 e sua replicação rápida, levando a um quadro inflamatório grave.
Um dos problemas que estão associados ao risco mais grave de Covid-19 é o processo inflamatório. Você tem uma tempestade de citocinas, que são mensageiros pró-inflamatórios capazes de lesar as células de vários órgãos e levar a um quadro maior de trombose generalizada. Estes são fatores de grande risco de morte dos pacientes. É exatamente por isso que idosos, diabéticos, obesos, fumantes e hipertensos são grupos de risco: eles têm maior chance de um descontrole no processo inflamatório.
Pessoas obesas jovens, por exemplo, apresentam mais inflamação, e a obesidade compromete a resposta imunológica (tanto a resposta inata quanto a adquirida), além da produção de anticorpos. Essa condição pode causar até mesmo uma resistência à vacina. Existem relatos na literatura científica de pessoas obesas que acabam não respondendo tão bem à vacina, uma vez que a obesidade compromete a apresentação de antígenos e a resposta imunológica que levaria a essa imunidade.
Em relação à resposta inflamatória e à tempestade de citocinas, esses mensageiros pró-inflamatórios são codificados por genes, por exemplo: a interleucina-6, a TNF-alfa, da interleucina-1 beta. Eles são pró-inflamatórios, e você tem alelos que levam a uma inflamação maior ainda. Então, nós temos uma situação em que, devido à presença do vírus, já podemos enfrentar uma tempestade inflamatória, mas ela pode ser mais intensa ainda por causa desses alelos.
Tudo isso leva a problemas respiratórios, circulatórios e sistêmicos, porque essa inflamação aumenta o risco de trombose. Se você tiver alelos de genes que estão associados com o aumento do risco de trombose, consequentemente pode apresentar um maior risco de trombofilias generalizadas e maior risco de quadros graves de Covid-19.
Quando pensamos em termos de genética, existem relatos de vários genes envolvidos na suscetibilidade genética à Covid-19. Até agora, a ciência avançou mais no estudo de um gene específico: ACE2. Ele é o mais discutido. Sua função é codificar a enzima em um processo que culmina com a vasodilatação. Porém essa ACE2 fica na membrana de algumas células, como as do pulmão, da mucosa nasal e do intestino. Sabemos que o Sars-Cov-2 tem uma espícula, que consegue se ligar à ACE2, e isso vai facilitar a fixação do vírus nas células do pulmão.
No próprio indivíduo, existem duas enzimas, a TPMRSS2 e a furina, que são capazes de clivar várias de nossas proteínas normais, mas também são capazes de clivar glicoproteínas do vírus. Isso vai facilitar a fusão da membrana do vírus com a membrana da célula. E é assim que o vírus consegue introduzir o material genético nas células. A partir do momento em que ele introduz o material genético dele, que é o RNA, o vírus usa todo o maquinário da própria célula para se replicar.
Diante da presença do vírus na célula, existe uma resposta inflamatória, que pode ser exagerada. Isso leva a uma tempestade de citocinas, que acaba destruindo as células do hospedeiro e afeta todo o sistema: pulmão, intestino e outros órgãos.
Qual é, afinal, a influência genética? Se você tem o gene ACE2, que tem variantes genéticas, alelos, que levam à maior expressão dele mesmo, você terá mais ACE2 nas membranas das células (pulmão, nariz e intestino) e isso vai facilitar a ligação com o vírus Sars-Cov-2, aumentando a taxa de infecção e a carga viral desse indivíduo. Quanto mais vírus conseguirem introduzir o seu material genético, maior o risco de o indivíduo apresentar um quadro mais grave.
Existem também variantes genéticas da enzima TPMRSS2. Pode ocorrer um risco aumentado de replicação do vírus, na medida que os alelos desse gene podem levar a uma expressão duas vezes maior dessa enzima. Com isso, há uma grande produção de TPMRSS2, o que vai facilitar mais ainda a fusão da membrana do vírus com a membrana da célula, aumentando o risco de replicação do vírus. O mesmo ocorre com relação à furina.
É possível saber se há uma tendência à maior expressão desses genes: pelos exames de genótipos. Eles vão dar uma ideia de que você tem uma tendência maior ou não a expressar mais esses genes. Existem técnicas em genética que permitem quantificar o quanto esses genes estão se expressando. Os exames mostram, inclusive, por que o risco de homens apresentarem quadros mais graves de Covid-19 é 1,75 vez maior que o das mulheres. A resposta é que a DHT (di-hidrotestosterona) aumenta mais ainda a expressão da TPMRSS2, facilitando a fusão da membrana do vírus com a membrana da célula, o que vai aumentar a replicação viral.
Então, de posse dessa informação, por exemplo, você pode utilizar resveratrol, uva, frutas vermelhas, de uma maneira geral, para diminuir a expressão de enzimas e, consequentemente, reduzir os níveis de DHT, minimizando, assim, o risco de infecções mais graves pelo Sars-Cov-2. Também é possível fazer uma outra orientação médica mais específica para modular a expressão dos genes e evitar quadros mais graves da infecção.
Por Dr. Marcelo Sady: concluiu pós-doutorado em Genética, com foco em genética toxicológica e humana, pela UNESP. Possui mais de 20 anos de experiência na área. É professor, orientador, palestrante, diretor geral e consultor científico da Multigene, empresa especializada em análise genética e exames de genotipagem. Autor de diversos artigos e trabalhos científicos publicados em periódicos especializados, o Dr. Marcelo Sady fez parte do Grupo de Pesquisa Toxigenômica e Nutrigenômica da FMB, além de coordenar e ministrar 19 cursos da Multigene nas áreas de genética toxicológica, genômica, biologia molecular, farmacogenômica e nutrigenômica.