Entenda melhor a dispepsia

Entenda melhor a dispepsia

É muito frequente, na atualidade, que as pessoas se queixem de uma série de mal-estares persistentes que podem produzir uma dor abdominal importante; são transtornos funcionais que, em seu conjunto, denominam-se dispepsia

A dispepsia é um motivo frequente de consulta, tanto ao médico clínico geral como ao especialista em gastroenterologia. Foram desenvolvidas diferentes definições sobre essa entidade, mas o conceito atual é que se trata de uma dor ou moléstia localizada na zona central da metade superior do abdome (epigástrio). Os sintomas encontrados em pacientes dispépticos incluem, especialmente, sensação de distensão epigástrica (ainda que nem sempre) após as refeições principais, saciedade precoce, arrotos, náuseas e vômitos. Tais manifestações podem apresentar-se de forma contínua ou intermitente. Considera-se que um paciente sofre de dispepsia se apresenta esses sintomas em, pelo menos, 25% dos dias em um prazo não menor que um mês. Estima-se que, segundo a população estudada, entre 10% e 50% das pessoas estejam afetadas pela dispepsia. Essas são porcentagens consideravelmente elevadas que não condizem com a quantidade de consultas que deveriam ser realizadas se todas as pessoas consultassem um médico.

É importante mencionar que uma das principais causas de dispepsia deve-se ao ritmo de vida presente nas grandes cidades, onde as pessoas geralmente são submetidas a um estresse contínuo, o qual – através das vias neurais autônomas que partem do cérebro e alcançam o estômago – influi e altera a motilidade gástrica normal.
Rumo ao diagnóstico da dispepsia

Existe um certo número de pacientes que, apesar de terem sintomas dispépticos claros, não consultam um médico. Costumam tratar seus sintomas evitando certas comidas em excesso ou de difícil digestão e automedicando-se com medicamentos de venda livre, “assessorados” por familiares, amigos ou farmacêuticos. Deve-se reconhecer que, embora tal prática não seja conveniente, uma boa porcentagem de doentes dispépticos consegue controlar seus sintomas dessa maneira. Acontece que certamente esses são portadores de dispepsias não relacionadas a uma origem orgânica, enquanto que outros podem sofrer de uma patologia que exija um tratamento específico. É a partir desse momento que se estabelece uma divisão inicial entre as dispepsias: as funcionais e as orgânicas. As primeiras são aquelas nas quais, após serem realizados estudos de visualização gástrica (idealmente endoscopia digestiva alta ou uma radiografia por deglutição de bário – seriada esôfago-gastroduodenal), não se encontram dados positivos de organicidade, ou seja, os estudos mostram um estômago sem lesões nem alterações. As dispepsias funcionais incluem quase as duas terceiras partes dos casos de dispepsia; o terço restante corresponde às de tipo orgânicas, que são aquelas nas quais, ao serem estudadas pelos meios referidos, o médico encontra uma doença concreta e visualizável.

As causas mais comuns de dispepsia orgânica são a úlcera péptica e a gastrite, mas (ainda que mais infrequente) nunca se deve descartar a possibilidade de câncer gástrico. Essas dispepsias orgânicas frequentemente apresentam sintomas adicionais que são indicadores, como a acidez nos dois primeiros casos ou o mau estado geral em caso de câncer.

Um tema controverso é a influência nos sintomas dispépticos que ocasiona no estômago a presença da bactéria Helicobacter pylori. Este é um microrganismo com demonstrada ação na gênese de úlceras, gastrite e inclusive câncer. No entanto, quando se encontra presente sem provocar tais doenças, na atualidade, considera-se que influi pouco na dispepsia e não se recomenda sua erradicação por esse motivo.
Existem também causas de dispepsia orgânica cuja lesão não reside no estômago, mas em órgãos próximos a ele. As afecções biliopancreáticas (cálculos de vesícula, pancreatite) concorrem frequentemente com sintomas dispépticos; outras causas menos frequentes são a isquemia intestinal crônica e os cânceres de fígado ou no cólon transverso. Por último, certas afecções metabólicas podem também ocasionar sintomas dispépticos. O diabetes produz maior lentidão do esvaziamento gástrico (gastroparesia); o hipotireoidismo e a uremia podem também provocar dispepsia.

Principais causas e sintomas da dispepsia funcional.

O tratamento da dispepsia

Uma vez efetuado o questionário e o exame físico pertinentes, o médico deve decidir entre realizar ou não estudos complementares. Quando o profissional suspeita que o paciente sofre uma dispepsia funcional, e sobretudo se trata de indivíduos jovens (menores de 40 anos), frequentemente tenta um tratamento de teste com certos medicamentos.

Os procinéticos estimulam a peristalse, ou seja, as contrações coordenadas normais do tubo digestivo e, portanto, tornam-se úteis na dispepsia funcional. Exemplo deles são as conhecidas metoclopramida ou domperidona, medicamentos muito bem tolerados ainda que sua eficácia tenda a diminuir em tratamentos prolongados. Drogas mais recentes e eletivas são a cisaprida, mosaprida ou cinitaprida.

Os inibidores do ácido gástrico são substâncias benéficas na dispepsia funcional, ainda quando a acidez não seja um de seus sintomas. Geralmente, é indicada a metade da dose habitual. Costumam-se utilizar dois grupos de medicamentos: os bloqueadores dos receptores H2, que diminuem em 70% o conteúdo do ácido gástrico, ou medicamentos mais potentes inibidores da bomba de prótons, como o omeprazol e derivados (lansoprazol, pantoprazol ou esomeprazol), que inibem até 99% do ácido estomacal. Ambos os grupos de drogas atuam inibindo a formação de ácido por parte das células parietais do estômago.

No caso de pacientes mais velhos com antecedentes familiares de patologia gástrica ou com um estado geral deteriorado, impõe-se realizar a endoscopia digestiva alta. A visualização de uma úlcera ou de gastrite exigirá um tratamento antissecretor ácido com as substâncias mencionadas no parágrafo anterior, ainda que nesses casos em dosagem padrão. A presença de câncer gástrico originará uma série de interconsultas com especialidades como cirurgia e oncologia, para o complicado tratamento desse tipo de pacientes. Se houver suspeita de doença de vias biliares ou fígado, será conveniente realizar uma ecografia abdominal.

Por último, existem pacientes nos quais não se encontra nenhuma doença orgânica e não há resposta adequada aos tratamentos de dispepsia funcional enunciados. Nesse contexto, pode ser útil uma interconsulta com a psiquiatria para avaliar a necessidade de psicoterapia e tratamento com medicamentos antidepressivos.

Conclusões

A dispepsia é uma entidade muito habitual na população em geral; na maioria dos casos, sua causa é funcional. O estresse é um fator de grande influência, encontrado muito frequentemente nesses pacientes. Uma correta aproximação ao problema em seu conjunto redundará no melhor tratamento possível para esses pacientes.