Corticoide com resultados positivos contra Covid-19 no Reino Unido também é testado no Brasil
Por ICTQ, Marcelo de Valécio
O corticoide dexametasona, que apresentou resultados positivos na redução da mortalidade dos casos graves de Covid-19 no Reino Unido, também vem sendo objeto de estudo clínico no Brasil. Os testes por aqui devem ter resultados até agosto.
A Coalizão Covid Brasil, iniciativa coordenada pelos hospitais Sírio Libanês, Albert Einstein, HCor, Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa de São Paulo e pela Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet), para testar diversas drogas candidatas, está recrutando voluntários no País para testar a dexametasona em um estudo randomizado e com grupo de controle também com pacientes com quadro severo da infecção pelo novo coronavírus, conforme revelou o Estadão.
Segundo o jornal, o recrutamento deve continuar até o fim do mês e, assim como no estudo britânico, haverá acompanhamento dos pacientes por 28 dias. De acordo com o médico intensivista Luciano Azevedo, do Sírio, que é o principal investigador do estudo, ainda estão sendo recrutados pacientes e o plano é chegar a 350.
Azevedo explicou que a droga foi escolhida para a investigação por já ter demonstrado bons resultados em outros tipos de síndrome respiratória aguda grave causadas por outros vírus e bactérias. “Em pacientes sem Covid, a dexametasona já tinha mostrado benefícios na diminuição do tempo em que os pacientes passam no ventilador e na chance de morrer”, revelou ao Estadão.
O médico ressalva, porém, o risco do uso indiscriminado do medicamento e alerta que o estudo Recovery não é indicativo para uma corrida às farmácias. O ensaio clínico no Reino Unido mostrou que a dexametasona só reduziu a taxa de mortalidade de pacientes graves de Covid-19, que dependam de ventilação ou estejam com oxigenação baixa.
Luciano Azevedo teme a prescrição para pacientes que não tenham as condições demonstradas com benefício no estudo. Houve redução de 33% do risco de morte para pacientes graves, submetidos à ventilação, e de 20% para pacientes que precisavam de oxigênio. Não houve benefício para casos leves. “Quando o estudo for publicado, se o benefício ficar claro, será para usar o medicamento em hospital. Não é para todos, nem para prevenção”, afirmou.
Por também temer uma corrida às farmácias, o infectologista e coordenador do centro de combate à doença no Governo do Estado de São Paulo, David Uip, solicitou aos líderes da Câmara dos Deputados que avaliem a possibilidade de restringir a dispensação do medicamento à retenção de receita de controle especial.
Quem produz o medicamento de referência da dexametasona no Brasil (Decadron) é o laboratório Aché, que doou o produto para o estudo. O mecanismo de ação do corticoide é de anti-inflamatório. “Apesar de o coronavírus ter como alvo o pulmão e a vias aéreas superiores, está cada vez mais claro que é uma doença sistêmica, que acaba sendo gatilho para uma resposta inflamatória importante”, salientou ao Estadão o diretor-médico do Aché, Stevin Zung.
Sendo assim, a proposta não é usar o medicamento na fase inicial da doença, quando ainda há replicação viral forte, mas nas etapas posteriores, quando o processo inflamatório é mais pronunciado. Zung lembra que no início da pandemia havia o temor que corticoides poderiam acelerar a replicação viral se aplicados na fase inicial da doença, mas estudos não foram conclusivos. Seja como for, a proposta é de uso com o quadro já grave.
Nesse sentido, a médica pneumologista, Roberta Santis Santiago, endossa que caso a droga seja administrada em pacientes sem sintomas severos, ou que não possuam uma inflamação sistêmica, seu uso não apresenta efeitos e ainda pode piorar o quadro da infecção.
“As duas principais frentes de tentativa para tratar a Covid-19 ou estão ligadas à resposta inflamatória, ou para matar o próprio vírus. Caso você tenha um quadro leve da doença, mas está sem uma resposta inflamatória grave, se usar o corticoide nesse momento, aumenta a replicação do vírus, e piora a situação. Agora, se chegar uma hora que a inflamação é muito intensa, então o corticoide pode ter uma resposta mais positiva”, disse Roberta, em matéria publicada no portal Sempre Família.
O diretor do Ache alerta também sobre os riscos de utilização indevida do medicamento. “O uso indiscriminado, de maneira crônica e não adequada de corticoides, pode causar hipertensão, hiperglicemia, pode gerar descontrole da diabetes. Além de trazer alterações no sistema endócrino, osteoporose e trombose venosa”, explicou ao Estadão.
Vale destacar, ainda, que um dos efeitos colaterais da dexametasona é a imunossupressão, por isso, nos casos em que o paciente apresente sintomas mais leves da doença, a substância pode atrapalhar as reações imunológicas do organismo contra a infecção. Por isso, principalmente em pacientes com Covid-19, a automedicação com essa substância pode ser perigosa. Sua administração deve ser realizada com prescrição médica e orientação do farmacêutico.